Sunday, December 31, 2006

Objectivar

Vejo o fim do Titanic. O personagem de Leonardo DiCaprio morre de forma dramática. Ao mesmo tempo, milhares morriam da mesma forma, no entanto os espectadores choram essencialmente o fim desse indivíduo e do respectivo romance.
Lamentação pelas massas abstractas é um conceito bonito mas de vez em quando é bom lembrar que só conseguimos realmente sofrer por alguém que conseguimos individualizar e objectivar, pois só assim o nosso envolvimento se torna pessoal. De repente ocorre-me que se me disserem que amanhã vão morrer 1000 pessoas na china eu lamento o facto mas vou dormir durante a noite. Se me disserem que amanhã vão cortar o dedo mindinho de uma pessoa que me é querida ou a mim mesmo, não conseguirei adormecer.

Naufrágio

Chega o dia de fim de ano e, ao fazer zapping, descubro que a tvi está a passar o Titanic. Fair enough, fair enough ...

Tuesday, December 26, 2006

Misoginia?

Encontrei no Jansenista um texto publicado na Vanity Fair do qual destaco os seguintes excertos.

Acerca do humor...

Probe a little deeper, though, and you will see what Nietzsche meant when he described a witticism as an epitaph on the death of a feeling. Male humor prefers the laugh to be at someone's expense, and understands that life is quite possibly a joke to begin with—and often a joke in extremely poor taste. Humor is part of the armor-plate with which to resist what is already farcical enough. (Perhaps not by coincidence, battered as they are by motherfucking nature, men tend to refer to life itself as a bitch.)

Precisely because humor is a sign of intelligence (and many women believe, or were taught by their mothers, that they become threatening to men if they appear too bright), it could be that in some way men do not want women to be funny. They want them as an audience, not as rivals.

Men are overawed, not to say terrified, by the ability of women to produce babies. (Asked by a lady intellectual to summarize the differences between the sexes, another bishop responded, "Madam, I cannot conceive.") It gives women an unchallengeable aut
hority. And one of the earliest origins of humor that we know about is its role in the mockery of authority.

Humor, if we are to be serious about it, arises from the ineluctable fact that we are all born into a losing struggle. Those who risk agony and death to bring children into this fiasco simply can't afford to be too frivolous.

Monday, December 25, 2006

Uma pequena pausa na pausa

Ao perceber que toda a gente se queixa do consumismo desenfreado mas que ninguém dá o exemplo de ser o indomável resistente, optei por falar de algo completamente diferente, que na verdade eu não sei o que é. Assim sendo, mantenho a coerência neste blog. É senso comum que o “não saber” é um valor a ser estimado.
Quebro a pausa que as obrigações profissionais me obrigaram a fazer neste blog numa noite de natal (bonito, certo?). Não se faz nada na noite de natal de qualquer maneira, para além de comer mais doces do que o normal (isto não é válido para todos, especialmente para os gulosos). Podia fazer balanços, apesar de tal acontecer só no fim do ano, mas se já digerir tudo agora, há esperança de que o balanço da viragem do ano seja menos dado à entropia gerada pelo deve e haver desse conjunto de 365 dias. Não, não vou fazer balanços, excepto talvez deste blog. Este blog diverte-me e isso só por si chega. Consigo rir de tudo o que escrevo sem excepção e, quanto pior escrevo mais me consigo rir, o que não atesta positivamente a minha sanidade. Felizmente não são previamente pedidos testes médicos para ser possível criar um blog, mas isso é perceptível por qualquer leitor que consiga ler mais de 3 blogs na blogosfera. A democratização da publicação da palavra permitiu saber em definitivo que afinal o homem não é um animal racional. A ciência agradece imenso aos blogs.
Mas sim, divirto-me, troco ideias com quem achar que vale a pena trocar ideias comigo, sou chamado de “amigo inglês” (no post “the language of art”), coisa que já não me acontecia desde a minha última estadia em NY, não abordo temas políticos porque há quem o faça muito melhor do que eu, e apesar de em contrapartida falar exacerbadamente de “nada”, assunto no qual sou muito bom, não fico mais satisfeito, porque tal escolha faz-me ter muito mais concorrência.
Não ter nada para dizer é a coisa mais natural do mundo, mas é impossível não ter dúvidas em relação à necessidade de cristalizar a ausência de ideias em texto quando tudo o que era preciso escrever era... “bom natal”.

E eu não digo nada relacionado com o natal...

Há sempre coisas de que não podemos acusar uma obra, mesmo que seja a peça com menos valor do mundo ... A inutilidade é inatacável em praticamente tantos aspectos como as obras primas.

Thursday, December 21, 2006

Pausa
















Até logo ...

Tuesday, December 19, 2006

Para me lembrar...

Eu sei tudo. Até prova em contrário...

Monday, December 18, 2006

Suspeitas

Li na “actual” que vai ser lançado uma compilação de filmes de Luchino Visconti para o natal. Naturalmente, o filme “O leopardo” está a encabeçar a lista.
O mote desse filme era “Tudo muda para ficar na mesma” . É caso para dizer que há mais filmes dele para ver, mas o mais provável é que eu obtenha o mesmo que obtive com o “O leopardo”... Quatro horas de tédio.
Mesmo assim acho que vou arriscar e ver o “Morte em Veneza” para ver como o romance de Thomas Mann foi adaptado. Mas se alguém me quiser aconselhar a não o fazer, ainda vai a tempo, não vai ser difícil fazer-me acreditar nos motivos...

Saturday, December 16, 2006

"A verdade inconveniente"

É bem sabido que os antropólogos estipulam o desaparecimento das pessoas loiras para dentro de sensivelmente 200 anos. Se não é bem sabido, então devia ser, é assunto sério.
A prevalência do gene “moreno” sobre o “loiro” é a principal razão para a ocorrência de tal fenómeno. Isto surge essencialmente como um duro golpe nas aspirações do macho ocidental (e não só) que durante tempos gerou cinema e literatura com inspiração nessas criaturas femininas de cabelo claro de quem se diz terem sempre tido a preferência deles. O arquétipo do casal cinematográfico por excelência continha, com raras excepções, uma menina do género. Segundo consta, poetas como Cesário Verde ou Teixeira de Pascoais suspiravam ininteligivelmente pelas estrangeiras de pele branca e cabelo alourado, e não estavam sozinhos. A mulher loira faz parte do imaginário sexual masculino. A cor loira está associada directamente a várias pretensões do homem na mulher como a juventude, o tom angelical (os anjos são loiros, certo?) ou a capacidade para sobressair e reluzir. No império romano eram pedidas perucas loiras feitas de cabelos de mulheres naturalmente loiras para satisfazer as romanas.
Agora assiste-se a este desastre incontornável que é o desaparecimento das mulheres loiras (alguém está preocupado com os homens loiros?). Este indomável fenómeno é gravíssimo quando comparado com as causas que geram movimentos para salvar as baleias ou outra espécie qualquer. Incrível. Pior!!! Como é possível haver tanta gente preocupada com o aquecimento global quando esta causa é incomparavelmente, indubitavelmente mais pertinente para o bem estar humano (masculino)? Com que direito vem o ex candidato a presidente dos EUA Al Gore apresentar um filme sobre o aquecimento global chamado “Uma verdade inconveniente”. Sem me lembrar de nenhuma verdade mais inconveniente do que esta, penso ser necessário realizar já o filme da nova causa mundial a que eu proponho o título de “A derradeira verdade inconveniente”. Irá ser um filme muito mais chocante a todos os níveis, será a preto e branco por analogia ao tema, representando assim a devastante perda de cor na genética humana. Não será recomendável a crianças no sentido em que vai conter imagens surreais como as de morenas a envelhecerem e a pintarem gradualmente o seu cabelo de loiro, mas com o desaparecimento das loiras verdadeiras, ao perder-se a referência a emular, a cor loira que elas adquirem acaba por afastar os machos, que vão ver no loiro uma cor capilar fraudulenta, tal como seria o azul ou o verde. Imagens ideológicas hediondas portanto. “Salvem as loiras” viria na sequência do mote “salvem as baleias ou o planeta” mas é preciso fugir aos mimetismos e lidar com o assunto de forma mais cuidadosa, afinal de contas, a estética é mais importante do que a humanidade em si. Preparem as câmaras, vem aí o drama. E que drama.

Wednesday, December 13, 2006

The language of art

Patriotism is the last refuge of a scoundrel. Samuel Johnson (1709 - 1784)

I just watched the new video by a Portuguese rapper called Sam the Kid (the lyrics are here), a video in which he criticizes all Portuguese musical artists that use English as a way of expressing themselves.

It was clear to me that freedom of speech, in a democratic western country, particularly in art, would justify the choice of any language, content or rhetorical color, but now, well, it is still clear to me.

In the last elections that defined the Portuguese government, the winning party (PS) used a strong idea in the electoral campaign “English for everyone since a very early age”.
The importance of knowing other languages is well known. It opens our mind to the world and helps us to understand human nature better. What this video implicitly says is that one should learn another language but shouldn’t use it as a way of expression in a productive activity, because that would be a betrayal to his own country. In this case a foreign language should only be used to communicate with foreign people, if not, there would be no point in learning it, which, from a balanced point of view, makes no sense. Still, isn’t art a way of communicating with people, foreigners or not? Some people say that music needs no language to communicate with everyone, but when someone chooses the option of using the word in it, language becomes automatically a hook of communication, impossible to ignore.
Sam (the kid) also says that Portuguese artists using the English language can never be original and that they are doomed to be eternal copies of foreign artists. My question is, does language itself define the power to be original? Not even I, a defender of the Word, would go that far. Language defines the lexicon, grammar and even a bit of that culture’s mentality, but I’m pretty sure that it doesn’t define talent. About originality, one just needs to look at art history a little bit to know that many great artists not only plagiarized others but they literally stole from those that are now considered minor artists when compared to the thieves. Originality is not coming up with an idea first, but working an idea in a special way, considering that it is possible to define originality.
Making money out of art is also an issue in this video. It is pointed out that those who use English are only attempting to gain more money by doing it. In fact, not only it is easier to sing in Portuguese (when within the world music business) and make money out of it (because there is no tough competition and the business paths are already open) but it is also necessary to realize that art needs to make money or it will not exist, especially when we are talking about an art that needs much more than just a paper and a pen. If art ceased to make money, only the sons of very rich people, rich enough to dismiss a paying work during an entire life, would be able to create art. Art, in order to be democratic, just like everything, needs to generate money. It is not even a new phenomenon. Great art has always been supported by kings, queens and nobles of every country and that has never stopped the power of artists to create divine pieces. Some people say “my art is more real than yours, I feel it more than you”, it is an interesting statement but, is there a machine that measures feelings in art? And if there is, do the results just by itself separate good art from bad art? Isn’t all art partially intellectualized? Was Picasso feeling it for real when he painted the Guernica? Does that matter? And now it is time for the cliché of humanity. What is “real”?
This subject always brings up the question of what is the identity of the Portuguese product when it comes to music. It is common sense that Fado and some traditional Portuguese music are genuinely Portuguese. If we go back in history we realize that those styles had influences from other cultures that came to the Iberian Peninsula, cultures that didn’t even speak Portuguese as we know it now. In Portugal, artists from Rock and Hip Hop sing in Portuguese over Anglo-sax based music genders. Are they to blame? No, just as it is not to blame when someone reads a book written in a foreign language but translated into the Portuguese language. Still, those who prefer to read the original version are not to blame as well, it’s a matter of preference, and, why not, knowledge. Samuel Beckett wrote books in English, French and German (if I’m not mistaken), sometimes he did it so that his plays could be performed in other countries. Music is not different. All this to say that a society is constantly in motion and will not stop just because we want it to remain as it always was. I like tradition but tradition also tells us that things are almost always about to change, except maybe for the core of human nature.
Everybody is quoting Voltaire lately, using his famous sentence “I do not agree with what you have to say, but I'll defend to the death your right to say it” .Let’s add something important to that sentence “even if you say it in another language”.

Please, play it again Sam…

Tuesday, December 12, 2006

O poço

Há pares românticos que são clássicos contemporâneos. O operador de câmara e a repórter, o patrão e a secretária, a estrela de rock e a groupie, a turista e o guia, os socialistas Ségolène Royal e José Sócrates, enfim, uma infinidade de clichés.
Contaram-me uma história sobre o primeiro casal da lista apresentada. Estando eu em permanente veneração pela coscuvilhice, não resisti contar (há rumores de que eu já dissertei sobre a vida pessoal de Madonna, mas falhava sempre o “timing de acção”, quando o fazia já se sabia a cor do próximo filho adoptivo).
Joana era uma alegre repórter que ia para todo o lado cobrir histórias sobre gatos com angústias existenciais, baratas com excesso de lucidez e pessoas que colocavam a hipótese do Woody Allen ser de esquerda. É um trabalho duro apesar de tudo.
Samuel era o operador de câmara que a seguia para todo o lado ( sublinhar “todo o lado”). Não apreciava particularmente a palavra escrita. Dizia-se um rapaz de acção e não de teoria, um fã devoto do movimento empirista apesar de não ter consciência da existência do mesmo. Eufemismos, eufemismos, sim, eu sei. O contacto fê-los apaixonarem-se um pelo outro, mas também há indícios de que possa ter sido alguma espécie de afinidade não-física. “Ele é um querido, está sempre disposto a ajudar” dizia ela, o que é natural num homem que se define como homem de acção, isso e muito mais, desde que a acção não cesse de existir. O pragmatismo ainda é a única forma reconhecível de inteligência. Entretanto, num belo dia de sol, Samuel cai a um poço. Não estou certo que tenha caído de cabeça, mas parece-me que tal facto é irrelevante. Joana ficou muito alarmada e começou correr desalmadamente para o poço chamando pelo nome do seu companheiro com uma postura “Shakespeareana”. Ele respondeu de lá de baixo dizendo que estava bem, estava estranhamente calmo dada a situação e com um tom de voz ligeiramente diferente começou a citar Santo Agostinho “ A confissão das más acções é o primeiro passo para a prática de boas acções." , "Dai-me a castidade; mas não ainda." e ainda "Não há mentira, apesar do que se diz, sem intenção, desejo ou vontade de enganar". Ela respondia-lhe “ O que dizes? Não és católico e muito menos mostras respeito pela doutrina”. Ele volta a responder, desta vez com uma citação de Walt Whitman “Do I contradict myself? Very well then, I contradict myself”. Ela receava tê-lo perdido para sempre, aquela queda poderia ter eventualmente mudado o homem que ele era. Estava ela numa atitude precatória tentando salvar o rapaz quando a ajuda chegou. Ele saiu do poço imaculado, a destilar confiança e com um olhar aguçado dirigido para ela e para a sua câmara de filmar. Ela descansou, ele tinha voltado a ser um homem de acção. Tudo teria sido um devaneio momentâneo e a TVI ainda continuava a apostar nas novelas portuguesas.
Eles voltaram ao amor, à cópula e a tudo o resto, mas o “tudo o resto” revelou-se mais inusitado do que a famosa queda no poço.

Second life

Agora é possível ter uma vida alternativa. Podemos ter outra identidade, outro sexo ou outra abordagem. É um mundo virtual onde é possível interagir com outros avatares que vão viver nesse mesmo mundo virtual. É possível ter casas, terrenos, explorar casinos, lojas, salas de espectáculos, praticamente tudo, emulando o real. O second life é já um sucesso em várias partes do mundo com especial incidência para os EUA.
O que realmente faz a diferença é que para comprar propriedades usa-se dinheiro verdadeiro e consta que há pessoas a fazerem fortunas a comprar e vender terrenos virtuais. Até os concertos virtuais são pagos, aqui fica a “filmagem” de um concerto da Suzanne Vega no mundo virtual do Second life. Não, eu não paguei para ver, apesar de gostar do trabalho dela. Mas também só tomei conhecimento disto hoje (espero não ter dito nenhuma asneira neste post). Penso que acaba por ser impossível não olhar para este fenómeno com olhos existencialistas e, já agora, economicistas, visto que partilham muitos conceitos. Para todos os que querem uma segunda vida. Levante a mão quem achar que sim ...


Saturday, December 09, 2006

Samples

A mãe estava na cozinha a ouvir Mozart quando o seu filho entra e reconhece imediatamente a música em causa. Este grita com entusiasmo patente no rosto… “Isso é Boss AC!!!”

Friday, December 08, 2006

Bom gosto

Não é difícil ter bom gosto. Difícil é aplicá-lo.

Thursday, December 07, 2006

Um homem honesto...

Já era relativamente tarde. David apressava o seu passo para tentar chegar a casa a tempo de jantar. Enquanto descia a avenida ouviu uma voz familiar a chamar o seu nome. Era o seu amigo Mário. Depois da troca de cumprimentos habituais e da conversa de circunstância, Mário perguntou como estava a correr o casamento de David. Este percebendo de imediato que não iria chegar a casa a tempo, começou a discorrer sobre o seu casamento de uma forma atípica. O casamento estava bem, não tinha grandes razões de queixa, o senhor dizia que amava muito a mulher e que ela lhe oferecia tudo o que ele podia querer, excepto o estimulo intelectual. “Já tentei convencê-la a ler imensos autores mas ela não larga o Paulo Coelho e o Dan Brown, é exasperante, o único livro que consegui que ela lesse foi o “Perfume” do Suskind, de quem eu nem gosto particularmente, no fim ela disse-me que estava enjoada” Com a expressão nitidamente a transfigurar-se ele confessou que em desespero de causa tomou uma atitude da qual não se orgulha totalmente. Foi a um bordel intelectual. O bordel intelectual tinha um funcionamento em tudo semelhante aos bordeis normais. Marcava-se um quarto com uma rapariga e discutia-se o que se iria fazer com antecedência, estipulando o preço respectivo. Neste caso, para além da preferência estética da rapariga, era acordado o autor que iria ser discutido e o tipo de abordagem ao mesmo. A vida de muitas daquelas raparigas não é fácil, estão ali exclusivamente pelo dinheiro dizia David, muitas delas chegam mesmo a sofrer violentos abusos intelectuais, como terem de ler bibliografias inteiras de Sartre, Derrida ou Foucault para poder agradar a muitos homens que não estavam satisfeitos com o acto de loucura que é pagar para discutir filosofia ou literatura com uma mulher à sua escolha. Tal como nos bordeis sexuais, também aqui grande parte das mulheres vinham de leste, aproveitando assim o facto de elas virem de um suposto sistema de ensino comunista de excelência. Era uma pena que a liberdade para exercer nunca fosse de excelência, mas aqui eram das mais requisitadas, não pela instrução, mas porque Dostoievki soava melhor com um sotaque de leste.
David revelou então que tinha começado a frequentar o bordel e que já tinha estado com imensas raparigas a discutir inúmeros autores desde T.S. Elliot até David Hume, passando por muitos outros. Mário, intrigado, não resistiu a perguntar se ele em alguma ocasião tentou fazer sexo com uma da raparigas. David respondeu que tal era expressamente proibido e que o sexo não movia os homens que iam até ao estabelecimento em questão. No entanto, David acabou por revelar que uma das raparigas, durante uma discussão sobre Kierkegaard, confessou estar apaixonada por ele e queria consumar a sua paixão através do acto sexual. Ele recusou imediatamente dizendo que só trai numa vertente, nunca em mais do que uma. Um homem honesto só trai ao nível sexual ou ao nível intelectual, se junta as duas vertentes numa só, já está a ultrapassar o seu conceito pessoal de honestidade, arriscando a que o síndroma “dostoievskiano” comece imediatamente a minar a sua consciência. “Saber onde parar é o factor definidor da moral individual” finalizou.
Mário acena com a cabeça em sinal de concórdia com um espírito enternecedoramente corporativista. Já se fazia tarde. “Dá cumprimentos lá em casa” diz Mário. “Serão entregues” foi a resposta.

Tuesday, December 05, 2006

A carta

Carlos não pestanejou. Acabou por enviar uma carta em vez de escrever um mail. “O papel precisa de reaver o seu estatuto” era uma das suas reivindicações morais supérfluas. A carta era destinada à sua namorada da qual se apartou porque precisou de ir trabalhar para outro ponto do país. Aqui fica o conteúdo da carta...

Querida .....

Há já bastante tempo que não te vejo, não me lembro de quanto tempo exactamente, mas acho que o tempo existe precisamente para não ser lembrado, senão o tempo dava-nos tempo para parar e pensar, mas mesmo quando se pára para pensar no tempo já estamos a gastar tempo que depois nos poderá fazer falta e depois acabamos a pensar nesse tempo que não aproveitamos para fazer coisas mais úteis gastando assim mais tempo até nos entregarmos ao movimento descendente num cone que nos levará ao niilismo, e eu não quero dar razão a alguns senhores pensadores que andam por ai.
Espero que estejas bem. Sei que sempre me disseste que estar bem é relativo. Estamos bem comparado com alguém que morre de fome ou com alguém em doença terminal, mas é muito mais simples estar mal. Estar mal não requer arte, é tão simples tão simples que em último caso podemos sempre argumentar que o tipo que está a sofrer está a ter mais provas de vida através da dor do que nós, e de que o que está a morrer está com muito mais sorte porque nós vamos ter de andar por cá a entediar-nos com a nossa vidinha e ele não.
Gostava de saber o que tens feito. Será que ainda continuas a alegar que o Brad Pitt não é objectivamente bonito e que é apenas um produto de marketing americano? Se isso for verdade, eu bem olho à minha volta e vejo que não sou americano. A objectividade da beleza não é portuguesa, é apenas americana, aliás, como tudo o que nos chateia por ser intocável.
A minha vida não tem muito para contar. Passo o tempo em casa a ler livros de auto ajuda e livros que dizem que os livros de auto ajuda não têm utilidade, estou a ver qual dos 2 apresenta argumentos mais fortes para definir um caminho para a minha vida, ou o caminho da auto ajuda ou o caminho da auto criatividade. Tantos “autos” só ficam bem a um narcisista como eu.
Por vezes vejo as paredes a aproximarem-se, por vezes elas afastam-se, por vezes mudam de cor e adquirem padrões inusitados. Acho que devia parar de olhar para elas. Matizar o meu estado de espírito torna-se num dilema crescente. A minha vida é neste momento um enorme buraco negro do qual não consigo sair, estou cada vez mais deprimido porque não me sinto deprimido o suficiente para o que devia estar dado a nulidade em que a minha vida de tornou, é no mínimo justo que eu esteja deprimido diplomaticamente, categoricamente e institucionalmente (vivam os advérbios de modo) na proporção da gravidade apresentada. Tu costumavas ajudar-me a chegar a esse ponto de depressão e eu sempre lhe atribui, erroneamente, um carácter negativo.
Esta carta já vai longa. Espero que esteja tudo bem contigo e que possamos encontrar-nos em breve.
Saudades. Beijos.
Carlos


Ela não voltou a contactar com o Carlos. Naturalmente.

Sunday, December 03, 2006

Surrealismo

Com a morte de Mário Cesariny o surrealismo voltou a estar na boca do povo.
É preciso revelar agora que o verdadeiro surrealismo está no filme do Borat.

Borat: [referring in thought to woman speaking in feminism group] I could not concentrate on what this old man was saying.

Friday, December 01, 2006

13º aniversário da casa Fernando Pessoa

Ontem, na casa Fernando Pessoa, foi organizada uma pequena celebração onde incluiu a leitura de poemas pelos seus próprios autores. Autores presentes: Manuel António Pina, Pedro Mexia, José Luís Peixoto, Luís Quintais, José Eduardo Agualusa e José Tolentino Mendonça.

Pessoalmente gostava de destacar os divertidos e incisivos poemas do Pedro Mexia, o poema chamado “melancólico até ao osso” (se não me enganei no título) lido por Luís Quintais, assim como o poema de José Tolentino Mendonça que abordava a temática da essência do poema. (quantas vezes escrevi “poema” ? )

Sendo uma iniciativa a repetir, seria agradável que as pessoas não falassem e que desligassem os telemóveis durante a leitura. Muito obrigado.
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