Friday, July 24, 2009

Socialismo Sexual: Uma Teoria da Justiça

Senti o desânimo dos meus pares socialistas quando o muro caiu em 1989. Sinto todos os dias a angústia que eles sofrem na sua luta incessante contra as vicissitudes egotistas da natureza humana. Sinto que os seus argumentos de natureza moral esbarram contra a habilidade que os humanos têm para fugir à coerção que provém das boas intenções da esquerda na promoção do bem comum. Como tal, sinto que devo reformular os preceitos de justiça da esquerda no sentido de lhes dar mais acuidade e pertinência.

Esta é então a minha teoria da justiça que, acredito, irá apresentar-se como uma alternativa válida a todas as outras no âmbito do socialismo/liberalismo social:

A minha teoria, para atingir uma sociedade justa, baseia-se nas duas grandes premissas do liberalismo: a liberdade e a igualdade. Para não existirem confusões, seguindo a distinção de Isaiah Berlin, vou apresentar a liberdade como liberdade positiva: que é entendida como a capacidade do indivíduo para fazer seja o que for, por oposição à liberdade negativa, que é a liberdade do indivíduo para agir sem a interferência de outros.

Para existir liberdade positiva, o Estado tem de intervir directamente na vida da sociedade, providenciando bens e serviços a todos os que têm menos capacidades inatas ou sociais, para que estes possam fazer tudo o que os outros fazem sem qualquer distinção. Obviamente que em última instância só se gera capacidade inata através da engenharia genética, mas isso são pormenores. Assim sendo, o estado tem o fim de promover a igualdade de acesso à satisfação máxima a todos os cidadãos, assim como a promoção da distribuição de capacidades para fazer seja o que for (eu posso comprar um Mercedes, eu posso ser um génio da ciência). Ou seja, sendo exequível ou não, partimos da premissa que o estado tem de arranjar forma de tornar os seres humanos iguais em todas as suas capacidades, visto que ninguém tem culpa de ter mais ou menos talentos naturais, nem de ter um maior ou menor estatuto social à nascença.

Para visar a igualdade, a esquerda centra-se essencialmente na redistribuição monetária através de uma entidade central (o estado). Por outras palavras, através de um rigoroso sistema fiscal, cobra impostos aos que mais ganham para dar os que menos ganham.
É aqui que a esquerda está constantemente a falhar e será precisamente este ponto que tentarei alterar.

Porque querem os homens dinheiro, poder e status social (assumindo que geralmente o primeiro leva os outros dois)? Porque com os recursos a que o dinheiro lhes dá acesso, eles conseguem chegar mais facilmente às mulheres, cumprindo assim a ideia darwinista da maximização da prossecução dos genes. Contudo, eles não querem apenas mulheres, querem atrair as melhores fêmeas, ou seja, a sub-categoria feminina que, em vernáculo, se costuma denominar de “gajas boas”. Estes membros do género feminino são desejados, em grande parte, pela sua simetria (o que em psicologia evolutiva é indicador de bons genes) e pelos seus sinais evidentes de fertilidade. Infelizmente, como muitos dos recursos mais desejados, este recurso é escasso e mal distribuído.

As mulheres mostram preferência por homens com alto valor social. Uma breve observação empírica revela que os homens ricos com status social conseguem um quase exclusivo monopólio das “gajas boas”, fazendo com que os outros homens não tenham a mínima oportunidade de se reproduzirem com elas. Concomitantemente, estamos na presença da máxima injustiça no que diz respeito à maximização da felicidade. Onde está o estado que devia corrigir esta tremenda injustiça que vota alguns homens a uma vida de inveja e ausência de proveito social e genético?

Apresento assim uma teoria da justiça que pretende devolver a igualdade e justiça social à humanidade. O estado tem assim de se organizar em volta dos seguintes 3 princípios de justiça: 1- Qualquer homem com excesso de gajas boas deve ser taxado até ter apenas acesso às gajas boas na mesma medida que todos os outros homens. 2- O imposto a ser aplicado pelo estado deve promover a rotatividade de gajas boas caso não exista uma gaja boa para cada homem (exe: a mesma gaja boa passava apenas um ano com cada homem em vez de um longo período de tempo) 3- Só será permitido a um homem ter mais do que a sua quota pré estabelecida de gajas boas se tal contribuir para que os mais desfavorecidos possam ter acesso a gajas boas (exe: em caso de calamidade e de ausência de produção de gajas boas num determinado momento da sociedade).

Satisfeitos estes princípios de justiça, estou a crer, chegaremos ao fim de história e a própria política tornar-se-á pueril, dado que a razão já se conseguirá impor sobre as famigeradas emoções que provêm da competição genética e social. Neste mundo neo-neo-socialista que proponho, onde acaba a exploração do homem pelo homem, poucas ou nenhumas críticas poderão ser feitas a esta teoria da justiça, a não ser, talvez, que é ligeiramente machista...

Inicialmente publicado em "O Replicador"

Thursday, July 09, 2009

O Bom Senso Contemporâneo

“O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: porque toda a gente pensa que está tão fornecida dele que, mesmo aqueles mais difíceis de contentar em tudo o resto, normalmente não desejam mais do que aquele que possuem.” René Descartes

Através do método empírico que o quotidiano me proporciona, verifico que esta máxima de Descartes está presente no debate ideológico contemporâneo em toda a sua extensão. Não me parece que alguém esteja de facto interessado no argumento factual, torna-se muito claro que, no esgrimir de argumentos, a moral suplanta constantemente qualquer observação minimamente empírica. Penso ser seguro dizer que, no mundo das opiniões, o positivismo é positivamente descartado. Restam então os sentimentos, as emoções, o auto-interesse e a simpatia de David Hume como motores da opinião. No entanto, claro está, para David Hume todos os sentimentos advêm do auto-interesse; porém, tal é pouco relevante para a ideia central deste texto.

Como a moral se impõe nos debates, o argumento do bom senso torna-se prioritário para se fazer valer um ponto de vista. A legitimidade argumentativa passa inúmeras vezes pela noção de que toda a nossa fundamentação argumentativa está sustentada por um bom senso que o “Eu” claramente possui, mas que o “outro” obviamente não possui. Daí o “outro” ser, consciente ou inconscientemente, apelidado de simplista ou, não raras vezes, de radical. Chamar simplista a alguém é, por certo, uma tautologia, pois qualquer representação argumentativa da realidade está condenada a falhar por comparação à mesma. Por outro lado, chamar radical ao outro já advém na projecção de entidade moderada e provida de bom senso que pensamos ser o nosso “Eu”. “O inferno são outros” dizia Sartre. Naturalmente, eu se tivesse simpatia pelas ideias comunistas, como era o caso dele, também acharia que a realidade global (os outros) era de facto um inferno, pois esta não se adapta, até ver, a tais ideais sociais.

O senso comum é de difícil definição. É possivelmente um sentimento que acreditamos possuir para reger a nossa vida, para estruturar a nossa mundividência. Contudo, tal como defenderam os metódicos epistemológicos (Descarte, David Hume), este precisa de começar com uma teoria da cognição ou justificação e depois submetê-la à prova para se aferir quais são as pré-teorias que sobrevivem; caminhando por tentativa e erro, acrescento eu.

“Eu sou moderado e tu não” parece ser o trunfo argumentativo usado em todo o debate ideológico contemporâneo. E agora? Como argumentar fora da caixa que advoga que é no meio que está a virtude? Todos estão no meio, mas cada “meio” difere de pessoa para pessoa. Suspiro: estamos de novo no campo do auto-engano.

Inicialmente publicado em "O Replicador".
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