O cantor francês, o inglês, nacionalismos e a europa
Li na “Única” da semana passada que a França está agitada com o facto de a música que a vai representar no festival da Eurovisão ser cantada em Inglês (com o título “Divine”). O aparente sacrilégio foi cometido pelo cantor Sebastien Tellier, que justificou a escolha dizendo que a maioria das canções vencedoras do festival são cantadas em inglês. Aquilo que seria uma banalidade aceite na generalidade dos países não o parece ser em França. A questão chegou mesmo ao parlamento. A justificação de Tellier não satisfez os franceses nem os seus representantes parlamentares. Os deputados pressionam mesmo a ministra da cultura para rever a mensagem subalterna que a França está a mandar para o exterior.
É nisto que termina o liberalismo à francesa. Em atitudes anti-liberais, através do proteccionismo cultural e económico num estado onde o poder está centralizado e onde a expansão do elemento nacionalista se torna muitas vezes mais importante do que a liberdade do indivíduo, neste caso concreto seria a liberdade do cantor que, por dever patriota, devia ser impedido de maximizar, no seu entender, as suas hipóteses de vitória.
A arte em França vive fortemente do subsídio, mais do que em países de carácter liberal como os anglo saxónicos, esse sistema organizativo tem evidentemente vantagens e desvantagens, mas a principal desvantagem é que para a obtenção do subsídio não costuma ser de bom tom ter demasiadas atitudes anti-patriotas em relação ao estado que os providencia, ou seja, a liberdade torna-se menos importante do as verbas monetárias a receber, normalmente a mão que providencia o sustento artístico também define o que se pode ou não fazer. Em casos extremos o artista torna-se um boneco de propaganda governamental.
A história parece fortalecer uma linha firme. Napoleão fez as suas campanhas para espalhar a liberdade francesa aos outros povos, os outros podiam ser naturalmente livres desde que a liberdade fosse “imposta” por ele. Os imigrantes em França, ou se tornam culturalmente franceses (condição imprescindível para o estado) ou serão estrangeiros para sempre. A tendência histórica para o estado centralizado, burocrático e intervencionista ajuda ao controle sobre a população (não é por acaso que o protesto em França tem fama de se fazer essencialmente na rua). Posso concordar mais ou menos com algumas destas opções politicas, de acordo com o assunto em causa, mas que a tendência é clara, isso parece-me evidente.
Voltando à questão da língua, torna-se difícil não falar do futuro das nações europeias e da sua respectiva unidade na diversidade. Já quando Victor Hugo falava na grande construção europeia tinha em vista a expansão da cultura francesa, dos seus valores “socializantes”, de um estilo de vida à francesa e, pois claro, da bela língua francesa. É caso para dizer que as boas intenções nunca vêm sozinhas e que não há almoços grátis. Não é de estranhar que esta ideia de expansão cultural de Victor Hugo tenha perdurado na psique francesa até aos dias de hoje. A União Europeia constrói-se com a Alemanha sem força política, com uma França que apesar de muito destruída tem a força moral para impor regras aos demais parceiros, estavam montadas as condições para que a tal expansão cultural e linguística francesa pudesse entrar em cena.
Mas algo correu mal, com o fim da segunda guerra emerge uma grande potência mundial que se chama Estados Unidos da América (bipolarizando o mundo com o bloco soviético) e que mal ou bem vai ter um papel preponderante na formação da nova Europa. Com o fulgor económico americano gera-se a americanização da Europa em muitos sentidos, a faceta mais importante para a questão em causa é a linguística. Para desgosto dos francófonos o inglês torna-se a língua comum europeia (e mundial). É no mínimo paradoxal que um país que está cronicamente com um pé fora da União Europeia, como é o caso da Inglaterra, tenha a sua língua como preponderante dentro do espaço comunitário. Já em França gera-se o desencanto, a ideia de que a língua que se expandiu foi o Inglês e de que o modelo económico europeu se tornou cada vez mais “neo-liberal” deve ter colocado dúvidas em muitos franceses em relação à direcção do projecto Europeu, o “não” francês à constituição europeia foi em grande parte alimentado por elas.
No entanto o projecto europeu precisa de uma língua comum ao espaço europeu. A Europa é o exemplo paradigmático de como línguas diferentes são um factor de desunião e um catalizador de guerrilhas nacionalistas, para se evitar as guerras é preciso que se fale a uma voz, e por mais voltas que se dê, a melhor forma de falar a uma voz é falando a mesma língua.
Por esta altura entram em campo os anglófilos , os francófilos, os hispanófilos ou outros quaisquer esgrimindo argumentos para que se adopte prioritariamente a língua da sua preferência dentro da comunidade.
Pois as línguas são monstros em movimento, não se definem por decreto de lei (como o esperanto) e a língua europeia vai ser escolhida naturalmente pela lei do contexto, e porque não dizê-lo, como pensava Thomas Hobbes, pela lei do mais forte. Se o mundo inteiro fala Inglês como segunda ou primeira língua (a china há 3 falantes de inglês por cada falante de inglês nativo no mundo) porque é que a Europa devia ir contra a corrente não tendo vantagens visíveis nessa atitude isolacionista?
A título pessoal, não me importaria de aprender e dominar qualquer língua escolhida para facilitar uma união europeia, tal como uma maior harmonia ocidental, apenas não vejo como é que neste momento exista algum tipo de escolha que não seja a já existente (apesar de não-oficial) do inglês.
Como um dos pais (e mães) da União europeia a França devia pensar acima do orgulho nacional, visto ser a supra nacionalidade o objectivo último do processo europeu em curso. Duvido é que o país de Nicolas Sarkozy esteja disposto a actos de humildade para se atingir esse objectivo, facto patente neste pormenores proteccionistas. Sejamos justos, a França não está sozinha neste tipo de atitude e por vezes até a podemos encontrar quando nos olhamos ao espelho.
Senhores deputados franceses, senhora ministra da cultura francesa, deixem lá o rapaz cantar na língua em que ele quiser. Se a ideia vos atormentar em demasia, digam apenas “perdoem-no porque ele não sabe o que faz” mas deixem-no ser livre de fazer opções estéticas, artísticas e culturais. Por falar nisso, já vi o vídeo, e em relação às questões estéticas eu também disse o mesmo.
É nisto que termina o liberalismo à francesa. Em atitudes anti-liberais, através do proteccionismo cultural e económico num estado onde o poder está centralizado e onde a expansão do elemento nacionalista se torna muitas vezes mais importante do que a liberdade do indivíduo, neste caso concreto seria a liberdade do cantor que, por dever patriota, devia ser impedido de maximizar, no seu entender, as suas hipóteses de vitória.
A arte em França vive fortemente do subsídio, mais do que em países de carácter liberal como os anglo saxónicos, esse sistema organizativo tem evidentemente vantagens e desvantagens, mas a principal desvantagem é que para a obtenção do subsídio não costuma ser de bom tom ter demasiadas atitudes anti-patriotas em relação ao estado que os providencia, ou seja, a liberdade torna-se menos importante do as verbas monetárias a receber, normalmente a mão que providencia o sustento artístico também define o que se pode ou não fazer. Em casos extremos o artista torna-se um boneco de propaganda governamental.
A história parece fortalecer uma linha firme. Napoleão fez as suas campanhas para espalhar a liberdade francesa aos outros povos, os outros podiam ser naturalmente livres desde que a liberdade fosse “imposta” por ele. Os imigrantes em França, ou se tornam culturalmente franceses (condição imprescindível para o estado) ou serão estrangeiros para sempre. A tendência histórica para o estado centralizado, burocrático e intervencionista ajuda ao controle sobre a população (não é por acaso que o protesto em França tem fama de se fazer essencialmente na rua). Posso concordar mais ou menos com algumas destas opções politicas, de acordo com o assunto em causa, mas que a tendência é clara, isso parece-me evidente.
Voltando à questão da língua, torna-se difícil não falar do futuro das nações europeias e da sua respectiva unidade na diversidade. Já quando Victor Hugo falava na grande construção europeia tinha em vista a expansão da cultura francesa, dos seus valores “socializantes”, de um estilo de vida à francesa e, pois claro, da bela língua francesa. É caso para dizer que as boas intenções nunca vêm sozinhas e que não há almoços grátis. Não é de estranhar que esta ideia de expansão cultural de Victor Hugo tenha perdurado na psique francesa até aos dias de hoje. A União Europeia constrói-se com a Alemanha sem força política, com uma França que apesar de muito destruída tem a força moral para impor regras aos demais parceiros, estavam montadas as condições para que a tal expansão cultural e linguística francesa pudesse entrar em cena.
Mas algo correu mal, com o fim da segunda guerra emerge uma grande potência mundial que se chama Estados Unidos da América (bipolarizando o mundo com o bloco soviético) e que mal ou bem vai ter um papel preponderante na formação da nova Europa. Com o fulgor económico americano gera-se a americanização da Europa em muitos sentidos, a faceta mais importante para a questão em causa é a linguística. Para desgosto dos francófonos o inglês torna-se a língua comum europeia (e mundial). É no mínimo paradoxal que um país que está cronicamente com um pé fora da União Europeia, como é o caso da Inglaterra, tenha a sua língua como preponderante dentro do espaço comunitário. Já em França gera-se o desencanto, a ideia de que a língua que se expandiu foi o Inglês e de que o modelo económico europeu se tornou cada vez mais “neo-liberal” deve ter colocado dúvidas em muitos franceses em relação à direcção do projecto Europeu, o “não” francês à constituição europeia foi em grande parte alimentado por elas.
No entanto o projecto europeu precisa de uma língua comum ao espaço europeu. A Europa é o exemplo paradigmático de como línguas diferentes são um factor de desunião e um catalizador de guerrilhas nacionalistas, para se evitar as guerras é preciso que se fale a uma voz, e por mais voltas que se dê, a melhor forma de falar a uma voz é falando a mesma língua.
Por esta altura entram em campo os anglófilos , os francófilos, os hispanófilos ou outros quaisquer esgrimindo argumentos para que se adopte prioritariamente a língua da sua preferência dentro da comunidade.
Pois as línguas são monstros em movimento, não se definem por decreto de lei (como o esperanto) e a língua europeia vai ser escolhida naturalmente pela lei do contexto, e porque não dizê-lo, como pensava Thomas Hobbes, pela lei do mais forte. Se o mundo inteiro fala Inglês como segunda ou primeira língua (a china há 3 falantes de inglês por cada falante de inglês nativo no mundo) porque é que a Europa devia ir contra a corrente não tendo vantagens visíveis nessa atitude isolacionista?
A título pessoal, não me importaria de aprender e dominar qualquer língua escolhida para facilitar uma união europeia, tal como uma maior harmonia ocidental, apenas não vejo como é que neste momento exista algum tipo de escolha que não seja a já existente (apesar de não-oficial) do inglês.
Como um dos pais (e mães) da União europeia a França devia pensar acima do orgulho nacional, visto ser a supra nacionalidade o objectivo último do processo europeu em curso. Duvido é que o país de Nicolas Sarkozy esteja disposto a actos de humildade para se atingir esse objectivo, facto patente neste pormenores proteccionistas. Sejamos justos, a França não está sozinha neste tipo de atitude e por vezes até a podemos encontrar quando nos olhamos ao espelho.
Senhores deputados franceses, senhora ministra da cultura francesa, deixem lá o rapaz cantar na língua em que ele quiser. Se a ideia vos atormentar em demasia, digam apenas “perdoem-no porque ele não sabe o que faz” mas deixem-no ser livre de fazer opções estéticas, artísticas e culturais. Por falar nisso, já vi o vídeo, e em relação às questões estéticas eu também disse o mesmo.
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