Wednesday, June 20, 2007

Posso ter graça?

O momento em que o humor se demite da sua função legítima de exercer as suas capacidades é o momento em que não temos o público adequado.
Sempre me achei um extremista involuntário, não porque procure os extremos, na generalidade dos casos estes até me repulsam, acabar numa polarização confusa e pouco estruturante poderá ser o meu apanágio, goste ou não. Dou por mim a achar que consigo ser uma pessoa com algum/bastante humor perante determinadas pessoas e um perfeito sensaborão junto de outras, mesmo considerando que estou igualmente bem disposto ao pé de toda a gente.

A palavra chave para o humor é “legitimidade”. Somos humoristicamente interessantes ou não mediante a permissão para exercermos a actividade. Com a Joana podemos ser muito engraçados e ela ri-se de quase tudo o que dizemos, com a Manuela, sabendo que ela não está tão disponível, melhoramos a qualidade das piadas (pensamos nós), mas ela acha que somos um palhaço triste que se esforça demasiado, com o João, uma piada de baixo nível com analogias a bananas ou anilhas garante a festa para a tarde toda, para o Diogo, “wit” é uma forma de mostrar-mos como somos muito inteligentes, como tal, ele prefere uma postura séria, pois assim não há como subverter argumentos com a perversão da chalaça e exercícios de auto-importância, com o Carlos não convém fazer piadas porque o nosso trabalho depende dele e as múltiplas interpretações do humor pode causar-nos dissabores irremediáveis, com o David, bem, para ele o humor simplesmente não existe, sendo melhor prosseguir em linha recta.

No filme “About a son”, Kurt Cobain diz que não era o ser soturno que toda a gente pensava que ele era, não só as suas letras estavam repletas de vastas ironias humorísticas como, no contexto certo, conseguia expressar o seu humor de uma forma completa. Consequentemente, disse que acha que nunca disse uma piada à frente do baixista Novocelic porque a sua relação profissional e de egos não o permitia, assumindo assim o papel do elo mais fraco. Não é preciso ir tão longe, os casos públicos paradigmáticos são os humoristas. Um humorista novato precisa de ser muito melhor do que um mais velho que já tenha crédito e legitimidade junto do público, ao ponto de por vezes estes(os veteranos) já só terem de aparecer (ou manter a actividade) para fazer esboçar sorrisos (desde que não abusem da sorte, naturalmente). A legitimidade faz-se sentir com veemência nos relacionamentos conjugais, quando a relação vai bem e o ressentimento é maleita do inferno dos outros, qualquer coisa dita é uma piada que propulsiona uma boa disposição congénita, assim que algo corre mal do ponto de vista relacional, nem o Groucho Marx tinha boas probabilidades de fazer rir a companheira, independentemente das suas qualidades humorísticas.

O que é que se retira daqui? Não sei, espero que ninguém me pergunte . Desconfio porém que é mais um revés iluminista, onde o contexto emocional define o que tem piada, e não o humorista ou a sua qualidade intrínseca ou quaisquer outros predicados escolhidos pela razão.
Quanto a mim, não me lembrei de fazer nenhum motejo neste texto. Porquê? Para quê? Mais importante ainda, para quem?

0 Comments:

Post a Comment

<< Home

eXTReMe Tracker