Monday, January 08, 2007

A causa

Sentindo-se anormalmente desviante, ele procurava razões que explicassem a inércia motora e falta de coordenação cognitiva presente. “O mundo conspira contra mim” pensava há mais de 2 horas (com um intervalo de 15 minutos para comer uma pizza). Acreditava estar na presença do princípio do fim, só não sabia qual era o fim e, já agora, o que realmente o estiolava era ser o princípio, fosse já um período intermédio e o drama do começo não existiria. Pensou que podia ser pintor, afinal de contas sempre podia refugiar-se no abstraccionismo para compensar a falta de tempo para apurar a técnica, mas depois, com leviana relutância, admitiu que se calhar a raça humana, se calhar, se calhar (esperando não sofrer represálias por tal frase), não era assim tão ingénua. Ser escritor de canções pareceu-lhe uma via exequível. Não sabia mais do que 3 ou 4 acordes, mas pensou que se o Kurt Cobain escrevia pérolas Pop de excelência artística, ele também conseguiria, afinal de contas, a Pop é simples. Quando tentou, achou que as suas músicas de 3 acordes estavam mais próximas do Quim Barreiros do que do cantor alourado de pendor niilista. Desistiu.
Mais tarde, ao explicar a situação à sua irmã, ouviu a mesma dizer que se ele está permanentemente a colocar em causa as suas capacidade seria natural que a determinada altura não se sentisse motivado, ao que ele respondeu “ mas eu não as coloco em causa, a causa é que se coloca em mim”. A irmã desistiu.
“E se fosse actor?” disse em voz alta com um sorriso que pictoricamente se assemelhava ao de mona lisa nos dias em que as interpretações indicavam que ela era um homem. Ser actor era natural para ele, no sentido em que nunca se tinha realmente mostrado como era a ninguém, sempre representou, não por vontade própria mas porque era honesto (e sagaz) o suficiente para reconhecer que não sabia onde residia o seu verdadeiro ser, se bem que, por esse ponto de vista também não saberia qual era o falso. Ficou inerte, achou que estava a complicar. Pensou que pelo menos teria fama. Fez sentido para ele durante 5 minutos, mas depois a ideia de passar o resto dos seus dias a dar voz e corpo a palavras de pessoas que a história um dia poderia vir a provar que eram uns patetas fê-lo abdicar da representação como possibilidade. Ser actor não servia.
Visto que estava sem forças para se mover pensou que poderia virar budista e meditar no mesmo sítio durante horas intermináveis sem sentir qualquer sinal de hiperactividade. Seria interessante, mas (deixa-me pensar)... Não.
O pensamento lógico do dia levou-o para o médico. Um médio dir-lhe-ia o porquê da existência do seus sintomas, se bem que, se 70% dos diagnósticos são feitos pelos próprios pacientes quando vão a uma instituição médica, ele tinha razões para estar descrente, visto que não sabia o que tinha. Ele era o “underdog” dos pacientes.
Depois de alguns testes médicos singelos e ao reparar que o seu paciente tinha umas olheiras proeminentes o médico pergunta-lhe há quanto tempo não dorme. Com um ar surpreendido digno de quem acabou de ver Sartre a apoiar o mercado económico liberal, ele finalmente encontra sentido para tudo o que sentia. Não tinha dormido na noite anterior. No entanto não se sentia patético, apenas biológico, mesmo não sabendo bem o que isso significava. Desde logo o médico proferiu a mítica frase muito em voga na modernidade quando os empiristas queriam visar os racionalistas...“vai dormir que o teu mal é sono”.
No dia seguinte, depois de dormir, tudo voltou à normalidade. Ele nem era um rapaz particularmente complicado.

2 Comments:

Blogger magnuspetrus said...

Absolutamente genial e hilariante. Parabéns!

1/08/2007 11:08 AM  
Blogger the visitor said...

Só posso dizer … Muito obrigado :) Até o diria “pessoalmente” mas não encontrei o mail no teu blog (se calhar porque não tem)

1/10/2007 5:05 AM  

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