O processo criativo
Tudo o que é necessário para o processo é motivação. Acordo então de manhã, cheio de vontade de criar, novas ideias, aquelas que ainda não tenho, irão chegar com certeza e serão inolvidáveis. Se bem que não acordo de manhã, apesar de por vezes sentir a hora a que acordo como se fosse, não é, já é de tarde, muito tarde, dormi demais mais uma vez, não é grave, é no mínimo um estilo, que bem que fica acordar tarde, um perfeito exercício de estética, estou no bom caminho, é bom de ver. Estou tão vivo como estou acordado, vou começar a criar, no entanto tenho fome e é bem sabido que o cérebro não funciona a 100% (mesmo imaginando um cenário onde isso fosse possível) quando o estômago está vazio. Entre um pequeno almoço e um almoço prefiro o segundo, afinal de contas, o horário pede algo mais substancial, assim como a minha coerência ...S-U-B-S-T-A-N-C-I-A-L, naturalmente. Finalizada a comezaina começo a soltar o Mozart em mim, o Mahler, o Leonard Cohen, o Yeats, o Whitman, todos em mim, e eu neles todos, sem qualquer tipo de promiscuidade, mas ao sentar-me na cadeira torna-se premente a necessidade de exercício físico numa fase de pós refeição avolumada. Levanto-me, percorro as divisões da sala como se de uma pista de corridas se tratasse, nada na vida é tão reconfortante como reconhecer pela enésima vez os cantos da casa, e o físico e o físico, já estou bom, esta casa é revigorante, umas férias ao Tahiti condensadas em quatro paredes. Não devo perder mais tempo, a arte espera-me, não lhe reconheço toda a legitimidade para se queixar de ter de esperar por mim porque eu também espero por ela todos os dias, como acredito na democracia (excepto talvez na Venezuela de Chavez) acho que estamos actuar equitativamente. A arte não é mais do que eu. Luís XIV ensina-me que a arte sou eu.
Estou de volta ao posto de labor criativo, curiosamente vou-me sentindo distraído pela televisão, que, estando sem som, consegue exercer um chamamento peculiar, mesmo não havendo nada de peculiar no facto da televisão gritar “sexo”. Talvez se eu mudar de canal o problema possa ser resolvido (desligar o aparelho não é uma opção). Mudo para a Sic Notícias, resultou? Bem, se há programas literários como o “Páginas Soltas”... É melhor esquecer (a não ser que a Agustina tenha razão e a arte advenha mesmo da culpa), o problema só pode ser obviamente meu. Seria boa ideia sair de casa, renovar o ar de forma a que os sumos criativos (que piroso que isto soa) pudessem voltar a correr. Está decidido, entro no carro e vou passear. Mas para onde? Que poderei eu ver para me inspirar? O óbvio seriam as moças na rua, mas não, isso seria uma forma de alienação e a arte é mais do que uma simples forma de subversão da realidade, as moças, infelizmente, não são a minha realidade. Há os carros, os fumos, a azáfama do quotidiano citadino, o individualismo cosmopolita, HAAAAAA, chato, chato, para não dizer repetitivo. É preciso algo novo. Chego à conclusão que não o irei encontrar na rua, sendo assim, volto para casa, o segredo deve estar na introspecção. Já em casa preparo-me para o combate com o meu eu criativo mas apercebo-me que ele deve ser muito fraco pois sinto-me tentado a perder umas horas a ler o novo Philip Roth que está na prateleira a tentar seduzir-me. Acham que eu sou difícil de seduzir? Por amor de deus, vamos ter algum sentido de realidade. Já estou a ler o livro.
Eis que chega o sentimento de culpa (o suposto motor criativo), eu não devia estar a perder tempo a ler palavras dos outros mas sim a trabalhar nas minhas estrondosas ideias, apesar de elas não estarem presentes, afinal de contas não foi Nietzsche que escreveu que há um período na vida onde devemos abrandar o consumo de ideias alheias e concentrarmo-nos essencialmente nas nossas? Se calhar não, pode ter sido a Mafalda, ou o Asterix (e as suas irredutíveis ideias de independência), não creio, penso que foi mesmo o senhor do bigode alemão (coitada da Mafalda que nem bigode tem). Voltemos ao que importa, a criação, certo? Ainda bem que me lembrei disso porque o dia está no seu fim e não fiz mais do que procrastinar. O canto do cisne efectiva-se quando perante uma última tentativa para me sentir criativo o telefone toca. É um amigo que me quer falar de burocracias, estou interessado claro, estou sempre pronto para aprender mais sobre a vida real (tão apregoada) visto que a irreal só me ensina a desaprender, eficazmente, diga-se de sua justiça.
O dia termina, já sonolento dirijo-me para a cama perguntando-me se terei conseguido descrever o processo criativo, mesmo sem ter criado absolutamente nada, bem, talvez “nada” seja um exagero, já o “absolutamente”...
Estou de volta ao posto de labor criativo, curiosamente vou-me sentindo distraído pela televisão, que, estando sem som, consegue exercer um chamamento peculiar, mesmo não havendo nada de peculiar no facto da televisão gritar “sexo”. Talvez se eu mudar de canal o problema possa ser resolvido (desligar o aparelho não é uma opção). Mudo para a Sic Notícias, resultou? Bem, se há programas literários como o “Páginas Soltas”... É melhor esquecer (a não ser que a Agustina tenha razão e a arte advenha mesmo da culpa), o problema só pode ser obviamente meu. Seria boa ideia sair de casa, renovar o ar de forma a que os sumos criativos (que piroso que isto soa) pudessem voltar a correr. Está decidido, entro no carro e vou passear. Mas para onde? Que poderei eu ver para me inspirar? O óbvio seriam as moças na rua, mas não, isso seria uma forma de alienação e a arte é mais do que uma simples forma de subversão da realidade, as moças, infelizmente, não são a minha realidade. Há os carros, os fumos, a azáfama do quotidiano citadino, o individualismo cosmopolita, HAAAAAA, chato, chato, para não dizer repetitivo. É preciso algo novo. Chego à conclusão que não o irei encontrar na rua, sendo assim, volto para casa, o segredo deve estar na introspecção. Já em casa preparo-me para o combate com o meu eu criativo mas apercebo-me que ele deve ser muito fraco pois sinto-me tentado a perder umas horas a ler o novo Philip Roth que está na prateleira a tentar seduzir-me. Acham que eu sou difícil de seduzir? Por amor de deus, vamos ter algum sentido de realidade. Já estou a ler o livro.
Eis que chega o sentimento de culpa (o suposto motor criativo), eu não devia estar a perder tempo a ler palavras dos outros mas sim a trabalhar nas minhas estrondosas ideias, apesar de elas não estarem presentes, afinal de contas não foi Nietzsche que escreveu que há um período na vida onde devemos abrandar o consumo de ideias alheias e concentrarmo-nos essencialmente nas nossas? Se calhar não, pode ter sido a Mafalda, ou o Asterix (e as suas irredutíveis ideias de independência), não creio, penso que foi mesmo o senhor do bigode alemão (coitada da Mafalda que nem bigode tem). Voltemos ao que importa, a criação, certo? Ainda bem que me lembrei disso porque o dia está no seu fim e não fiz mais do que procrastinar. O canto do cisne efectiva-se quando perante uma última tentativa para me sentir criativo o telefone toca. É um amigo que me quer falar de burocracias, estou interessado claro, estou sempre pronto para aprender mais sobre a vida real (tão apregoada) visto que a irreal só me ensina a desaprender, eficazmente, diga-se de sua justiça.
O dia termina, já sonolento dirijo-me para a cama perguntando-me se terei conseguido descrever o processo criativo, mesmo sem ter criado absolutamente nada, bem, talvez “nada” seja um exagero, já o “absolutamente”...
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