Wednesday, November 29, 2006

Pleonasmo










Ela olhava fixamente para a fotografia que estava colada na parede da livraria. Parecia intrigada apesar da sua posição imperturbável. A foto mostrava o escritor italiano Alberoni numa posição que podia ser a osmose perfeita entre Napoleão e Mussolini, seria complicado atingir um momento fotográfico mais imperial. “É porque é italiano” dizia ela referindo-se ao facto de que desde o renascimento que a tradição Italiana sempre assentou mais na tradição da imagem do que na tradição literária. Salvador Dalí dizia que uma imagem quando captada e projectada pode extravasar em muito o que o artista pretende e torná-la em algo diferente. Ela esperava que tivesse sido um caso desses, visto que nutria uma apreciação pelo livro de sexologia/sociologia do senhor mas estava agora um pouco chocada pela ausência de tacto estético do mesmo. “Ele parece querer invadir a polónia com chupa chupas em vez de armas” pensava para si mesma. Entretanto ele andava de volta dos livros na zona da literatura espanhola, enquanto pegava num livro pensava “se eu soubesse dançar talvez comprasse mais destes”. Enquanto se afastava aproximou-se dela e perguntou-lhe se estava tudo bem, visto que ela estava por demais absorvida no seu mundo ele acreditou que ela estava vulnerável. A sua experiência há muito que lhe tinha dito que devia atacar sempre em momentos de fragilidade feminina, ele preocupava-se pouco com os clichés e muito com a eficácia. Ela respondeu-lhe que estava tudo bem, agradeceu a preocupação, mas não se demorou com formalismos ao dizer imediatamente que não percebia porque é que durante a apresentação do livro de Alberoni os homens praticamente desapareciam e a sala tendia a encher-se de mulheres, ia até mais longe ao dizer que é um padrão para autores que escrevem sobre sexo do ponto de vista sociológico. Tendo sido apanhado desprevenido, ele desde logo percebeu que ela não estava em momento de fragilidade algum e quando assim é opta por ser honesto, não porque ache a honestidade algo validamente apetecível por si só, mas porque uma pessoa que não está fragilizada tende a decifrar o enigma do subterfúgio mais rapidamente e a vida não é mais do que uma tentativa de diminuir os riscos sem prejudicar o objectivo (curiosamente, ele nunca estudou economia). “ Os homens não lêem tanto sobre sexo e relações como as mulheres porque eles já passam a vida inteira a quererem ter sexo, ir ler sobre sexo seria tornar a vida num incomensurável pleonasmo.”
A rapariga olhou para ele com a expressão que seria o paradigma da dúvida, puxou da sua ortodoxia de julgamento que mandava que em caso de dúvida devia beneficiar sempre aquilo em que queria acreditar. “Pois” disse ela com um ar desinteressado, voltando-se imediatamente para a bancada onde devia pagar as suas compras. Ao pagar, não podia deixar de pensar que se por acaso a explicação simplista do rapaz tivesse fundamento, a foto com o ar imperialista de Alberoni estava explicada, ao fim ao cabo, ele não só lê como escreve sobre o tema.

Ela sai da livraria e o rapaz fica lá dentro.

2 Comments:

Blogger Blondie said...

Adorei o post!!!

11/29/2006 11:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

pois é, muito difícil...se eu disser que o texto é óptimo, acusas-me de condescendência...

12/04/2006 1:41 PM  

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