A língua nacional como instrumento de opressão política
Línguas e pessoas
Os meus posts sobre a língua desencadearam uma saudável discussão e parece-me que já se pode ver algo como uma conclusão. Há quem instrumentalize a língua e quem veja a língua como mero instrumento para as pessoas fazerem o que quiserem com ela. Quem instrumentaliza a língua entende que os superiores desígnios da língua se sobrepõem naturalmente às pessoas que quiserem falar ou escrever outra língua, por qualquer razão. Quem vê a língua como um mero instrumento entende que a língua está ao serviço das pessoas, e não as pessoas ao serviço da língua. Eu pertençao ao segundo grupo.
As pessoas que pertencem ao primeiro grupo não se apercebem que não estão a defender os interesses reais de pessoas reais, mas meras abstracções políticas, que não foram concebidas para servir as pessoas mas antes para as oprimir. As ideias nacionalistas de Língua, Nação, Estado, Povo, e muitas outras ameaças deste jaez são mentiras políticas concebidas para oprimir as pessoas, nada mais. Pensemos, por contraste, em alguém bem concreto, um aluno qualquer de filosofia, por exemplo, numa universidade. Para este aluno real e concreto a única coisa que de facto interessa é que ele tenha acesso à bibliografia de qualidade de filosofia. Tanto faz qual é a língua dessa bibliografia, desde que seja uma língua que ele domina. Ora bem, agora é que entra aqui o nacionalismo serôdio. Pragmaticamente, é óbvio que esse aluno tem muito a ganhar em dominar uma língua culta que não o português, pela simples razão que em português quase não encontra bibliografia de qualidade. Mas politicamente, os nacionalistas querem que ele fique preso à língua-mãe e estão-se nas tintas para as suas necessidades reais: o que conta é defender a Pátria, a Nação, a Lusofonia ou outro disparate qualquer deste género.
Pensemos agora noutra pessoa concreta: um estudante que está prestes a acabar ou que acabou o seu doutoramento. Ele precisa de contacto intenso com os seus colegas. Acontece que a maior parte dos seus colegas do mundo inteiro não sabem ler português e nunca vão aprender a ler português. Portanto, o seu interesse é escrever em inglês, porque precisa das críticas dos seus colegas. Mas o nacionalista defende que o interesse perfeitamente legítimo e humano deste investigador tem de se subjugar aos superiores desígnios da Língua Materna.
Consideremos agora um empregado de supermercado que gosta de astronomia, mas não sabe ler qualquer língua culta. Ele está lixado, faça-se o que se fizer. Está menos lixada hoje porque homens como o Guilherme Valente, da Gradiva, lhe põem à disposição... traduções de bons livros de divulgação científica; e porque alguns bons divulgadores científicos portugueses, como Carlos Fiolhais, Jorge Buescu ou Nuno Crato, escrevem alguns bons livros de ciência, ainda que não necessariamente de astronomia. Mas isto é uma gota no oceano; a imensa boa bibliografia de divulgação a que ele teria acesso se soubesse ler inglês ou outra língua culta é incomparável. Por isso, quando olhamos para os interesses dele e não para fantasias políticas, vemos que é do seu interesse dominar uma língua culta -- o que significa que é do interesse dele que os seus filhos não fiquem na situação má em que ele se encontra, o que por sua vez significa que 1) ou a língua portuguesa deveria ser abandonada como língua escolar, passando-se a adoptar uma língua escolar culta qualquer, sendo a língua inglesa estudada apenas lateralmente, ou pelo menos 2) grande parte das matérias escolares deviam ser leccionadas numa língua culta qualquer, mas não em português, de modo a que os portugueses ficassem efectivamente bilíngues, como acontece com os alemães, suecos ou israelitas.
E pronto, venham de lá os protestos.
Desidério Murcho
Os meus posts sobre a língua desencadearam uma saudável discussão e parece-me que já se pode ver algo como uma conclusão. Há quem instrumentalize a língua e quem veja a língua como mero instrumento para as pessoas fazerem o que quiserem com ela. Quem instrumentaliza a língua entende que os superiores desígnios da língua se sobrepõem naturalmente às pessoas que quiserem falar ou escrever outra língua, por qualquer razão. Quem vê a língua como um mero instrumento entende que a língua está ao serviço das pessoas, e não as pessoas ao serviço da língua. Eu pertençao ao segundo grupo.
As pessoas que pertencem ao primeiro grupo não se apercebem que não estão a defender os interesses reais de pessoas reais, mas meras abstracções políticas, que não foram concebidas para servir as pessoas mas antes para as oprimir. As ideias nacionalistas de Língua, Nação, Estado, Povo, e muitas outras ameaças deste jaez são mentiras políticas concebidas para oprimir as pessoas, nada mais. Pensemos, por contraste, em alguém bem concreto, um aluno qualquer de filosofia, por exemplo, numa universidade. Para este aluno real e concreto a única coisa que de facto interessa é que ele tenha acesso à bibliografia de qualidade de filosofia. Tanto faz qual é a língua dessa bibliografia, desde que seja uma língua que ele domina. Ora bem, agora é que entra aqui o nacionalismo serôdio. Pragmaticamente, é óbvio que esse aluno tem muito a ganhar em dominar uma língua culta que não o português, pela simples razão que em português quase não encontra bibliografia de qualidade. Mas politicamente, os nacionalistas querem que ele fique preso à língua-mãe e estão-se nas tintas para as suas necessidades reais: o que conta é defender a Pátria, a Nação, a Lusofonia ou outro disparate qualquer deste género.
Pensemos agora noutra pessoa concreta: um estudante que está prestes a acabar ou que acabou o seu doutoramento. Ele precisa de contacto intenso com os seus colegas. Acontece que a maior parte dos seus colegas do mundo inteiro não sabem ler português e nunca vão aprender a ler português. Portanto, o seu interesse é escrever em inglês, porque precisa das críticas dos seus colegas. Mas o nacionalista defende que o interesse perfeitamente legítimo e humano deste investigador tem de se subjugar aos superiores desígnios da Língua Materna.
Consideremos agora um empregado de supermercado que gosta de astronomia, mas não sabe ler qualquer língua culta. Ele está lixado, faça-se o que se fizer. Está menos lixada hoje porque homens como o Guilherme Valente, da Gradiva, lhe põem à disposição... traduções de bons livros de divulgação científica; e porque alguns bons divulgadores científicos portugueses, como Carlos Fiolhais, Jorge Buescu ou Nuno Crato, escrevem alguns bons livros de ciência, ainda que não necessariamente de astronomia. Mas isto é uma gota no oceano; a imensa boa bibliografia de divulgação a que ele teria acesso se soubesse ler inglês ou outra língua culta é incomparável. Por isso, quando olhamos para os interesses dele e não para fantasias políticas, vemos que é do seu interesse dominar uma língua culta -- o que significa que é do interesse dele que os seus filhos não fiquem na situação má em que ele se encontra, o que por sua vez significa que 1) ou a língua portuguesa deveria ser abandonada como língua escolar, passando-se a adoptar uma língua escolar culta qualquer, sendo a língua inglesa estudada apenas lateralmente, ou pelo menos 2) grande parte das matérias escolares deviam ser leccionadas numa língua culta qualquer, mas não em português, de modo a que os portugueses ficassem efectivamente bilíngues, como acontece com os alemães, suecos ou israelitas.
E pronto, venham de lá os protestos.
Desidério Murcho
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